Brasília, 17 de outubro de 2025
Há um momento na vida pública em que a defesa da Constituição cobra um preço político alto. E, ainda assim, precisa ser feita. O pedido de impeachment contra o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, apresentado por um grupo de dez senadores e do qual sou signatário, é um desses momentos. Não se trata de afronta ao Judiciário. O que precisamos é resgatar o equilíbrio entre Poderes e reafirmar que magistrados também estão submetidos a deveres, limites e responsabilização.
O documento está ancorado em quatro pontos: atuação político-partidária, cerceamento da liberdade de expressão, conflito de interesses e falta de imparcialidade em casos concretos. Um dos exemplos citados no pedido é o da participação do ministro em ambientes com forte teor eleitoral, além de “incentivo” à candidatura da vice-governadora do Maranhão, condutas claramente incompatíveis com o cargo. O Código de Ética da Magistratura é cristalino: “ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária”. A norma não é só um detalhe burocrático, é um dos fundamentos da independência judicial. Quem julga não pode, ao mesmo tempo, atuar como marketeiro.
Dino ainda determinou a retirada de circulação de algumas obras jurídicas, classificadas por ele como discriminatórias. Sob a alegação de proteção de grupos vulneráveis, ordenou que a venda de quatro livros fosse suspensa. A decisão abriu um precedente perigoso: livros passam a depender do crivo do Estado para existir?
Há, também, a questão do conflito de interesses. Flávio Dino não se declarou impedido no inquérito do escândalo dos respiradores do Consórcio do Nordeste, que envolve o atual ministro da Casa Civil, Rui Costa. Dino, que já governou o Maranhão, participou do Consórcio ao lado de Costa, então governador da Bahia. É como diz o ditado: “À mulher de César não basta ser honesta; deve parecer honesta”. Impedimentos existem para preservar a confiança pública. Desconsiderá-los só serve para deteriorar a legitimidade das decisões da Corte e encorajar a percepção, justa ou não, de alinhamento político.
Àqueles que nos acusam de “golpismo”, convém recordar o básico: a Constituição de 1988 confere ao Senado Federal competência para processar e julgar ministros do Supremo por crimes de responsabilidade. Não é um capricho da oposição. Nosso ordenamento institucional foi estruturado dessa forma para frear abusos.
Se Legislativo e Executivo estão sempre na mira, por que o Judiciário segue blindado? Não reivindicamos essa simetria para hostilizar o STF. O que queremos é tirar o Brasil do “atoleiro” da seletividade institucional, onde alguns são permanentemente julgados e outros jamais podem ser sequer questionados. E se, em casos de excessos evidentes, for necessário acionar o mecanismo do impeachment, que assim seja.
No fim do dia, o que está em jogo não é a biografia de Dino, nem o capital eleitoral dos senadores. O que está em jogo é a confiança do cidadão. A oposição, ao protocolar o pedido, presta um serviço ao país. Que a Presidência do Senado cumpra seu papel, admita o debate e permita que o mérito seja julgado para, enfim, sabermos se ainda vivemos sob as regras constitucionais.
Luis Carlos Heinze