Na CRA, indígenas convidados criticam tutela do Estado

Representantes de comunidades tradicionais convidados para audiência pública da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) defenderam nesta quarta-feira (23) a autonomia para a geração de renda pelos povos indígenas. Para eles, a tutela do Estado impede a liberdade e o desenvolvimento econômico de centenas de etnias, que estariam “condenadas a viver em condições miseráveis”. Na audiência, da qual participaram representantes indígenas, foram debatidas as dificuldades encontradas pelas tribos para seu próprio sustento.

A audiência foi realizada por iniciativa dos senadores Márcio Bittar (MDB-AC), Chico Rodrigues (DEM-RR), Jayme Campos (DEM-MT) e Soraya Thronicke (PSL-MS), que preside a CRA. Os parlamentares afirmam que “a exacerbação de normas protetivas do meio-ambiente” conduziu uma série de populações nativas, indígenas ou não, “à impossibilidade de utilizar suas áreas para a produção, o que ocasiona miséria e um maior isolamento dessas populações”.

“Época das cavernas”

Secretária Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Sílvia Waiãpi afirmou que o povo indígena do Brasil é composto por várias etnias com tempos de contato [com o homem branco] diferentes, que evoluem com o passar do tempo.

— Muitas frentes dizem que os povos indígenas têm que ficar intactos para não trair sua cultura. Mas nós vamos hoje pelo seguinte pensamento: produzimos e pagamos impostos como qualquer cidadão, que somos. Será que todos os povos indígenas estão condenados a viver na época das cavernas só para não ‘trair’? Será que nós, indígenas, não temos direito de tomar água gelada, ter acesso a celular? Estamos condenados a ficar o tempo inteiro no mato, correndo de onça e matando catitu para sobreviver? — declarou.

Sílvia disse ainda que “indígenas desnutridos são usados como massa de manobra para interesses escusos de organizações que recebem milhões” para defender o povo. Mesmo assim, afirmou, “o desenvolvimento não chega, a educação não chega, e a história que chega é que o governo é contra eles, nega a cidadania a eles”.

— Índio não pode plantar soja e café, mas pode plantar maconha para incentivar o narcotráfico dentro do pais. Basta uma batida da PF [Polícia Federal] em tribos do Nordeste para encontrar maconha. Isso não é da nossa cultura. Então são essas correntes que condenam os produtores indígenas. Para onde vai esse dinheiro? E necessário que se entre numa discussão sobre o que é melhor para o Brasil — afirmou.

Domínio agrícola

Agricultor indígena do povo Paresi, Ronaldo Zokezomaiake explicou que sua comunidade optou pela produção agrícola “não para dizer que éramos empreendedores do agronegócio”, mas em razão do alto índice de desnutrição de seu povo, nos anos 1990.

— O povo pareci sempre foi um povo produtor, já plantávamos algodão, milho, batata, cará, feijão e fava, já vínhamos de um princípio agricultor. Estamos hoje adequando um período antigo ao presente. Já tínhamos domínio da agricultura por trabalhar em fazendas vizinhas. A gente gosta de caça e pesca, mas temos uma área de um milhão e meio de hectares, e uma população de 2.200 indígenas. Se hoje fôssemos viver apenas da caça e pesca e da coleta, haveria desequilíbrio ecológico muito grande no nosso território — afirmou.

Ronaldo destacou que a busca por novas alternativas de desenvolvimento deu origem ao projeto agrícola do povo pareci, que passou a contar com geração e renda nas comunidades.

— Hoje, os trabalhadores, que estavam à mercê do alcoolismo e doenças, estão trabalhando nas terras indígenas. Temos mais de 40 formados em áreas acadêmicas, são médicos, odontólogos, nutricionistas, engenheiros, agrônomos, técnicos de enfermagem e enfermeiros. Nossa política é gerar conhecimento para trabalharmos dentro do próprio território — disse.

Ronaldo disse ainda que a burocracia e normas legais geram entraves à produção indígena e impedem a regulamentação de muitos projetos. Ele também defendeu a oferta de crédito agrícola aos indígenas, para incentivo e financiamento de ações promovidas pelas comunidades tradicionais.

— Todo povo tem direito de escolher sua forma de se autodesenvolver — concluiu.

Produção

Vice-presidente da CRA, o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) manifestou apoio às lideranças que participaram da audiência pública.

— Tem muitas tribos que não têm interesse no desenvolvimento, mas tem tribos que têm interesse. Então temos que conciliar, avançar na legislação e permitir que tribos de qualquer canto do país que querem avançar e evoluir tenham condições de fazê-lo. Há riquezas minerais nas terras indígenas. A gente quer liberdade e não que tenham que tutelar — afirmou.

No requerimento de audiência pública, os autores do requerimento alegaram que muitas comunidades amazônicas foram obrigadas a abrir mão da atividade agropecuária em nome da ideia da florestania e do extrativismo como modelo de desenvolvimento, o que resultou em estagnação do desenvolvimento social das etnias, muitas delas ainda assoladas pela fome e pela insegurança alimentar. Os senadores afirmam que isso também ocorre em terras indígenas que, teoricamente, pertenceriam aos próprios povos, mas que, devido a intervenção do Estado, teriam uma série de restrições e proibições de exploração.

“Os índios são donos da terra, mas não podem utilizá-la para aquilo que julgarem melhor. As unidades de produção do povo Pareci em nada ficam a dever aos maiores produtores não indígenas da região. Ainda assim, não podem expandir a produção, ou mesmo replicar o modelo adotado em outras áreas devido a uma série de travas ao desenvolvimento que foram colocadas pelo governo”, afirmaram os parlamentares no requerimento.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: Agência Senado

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