Por Evaristo Miranda
Em 1926, ninguém culpou o desmatamento. A seca na bacia amazônica já tinha um “culpado”: o fenômeno climático El Niño.
Quase cem anos se passaram desde então. Em 1926, os rios, riachos e lagos da Amazônia recuaram ou secaram. Os moradores ribeirinhos caminhavam pelos leitos dos rios e lagos onde antes navegavam e pescavam com canoas. Barcos e casas flutuantes ficaram encalhados nas margens a mais de um quilômetro das águas dos rios Negro, Solimões e Amazonas. O nível da água do rio Amazonas atingiu o valor mais baixo já registrado em Manaus até hoje! Em 1926, era inimaginável que os humanos pudessem – ou mesmo sentissem que podiam – destruir o planeta (neste caso, ao secar o tio Amazonas) ou, muito menos, salvá-lo. Foi um tempo em que ninguém culpou o desmatamento pela seca na bacia amazônica, pois já havia um “culpado”: o fenômeno climático El Niño.
Sem chuva, as florestas de igapó pareciam apenas terra seca. A mortalidade de peixes foi significativa, para deleite de inúmeras aves. No estado de Rondônia, na Cachoeira de Santo Antônio, era quase possível atravessar o rio Madeira apenas pisando nas pedras. Em Manaus, as casas de palafitas ficaram em terra seca. Vastas ilhas e praias de areia surgiram nos rios. Isso ocorre há séculos, a cada três ou quatro anos, com maior ou menor impacto. Portanto, caro leitor, não se assuste com as imagens na mídia.
O El Niño é um fenômeno atmosférico-oceânico que ocorre há milhares de anos no Pacífico Equatorial. As águas ficam mais quentes do que a condição média histórica. Essa mudança tem efeitos globais nos padrões de circulação atmosférica, transporte de umidade, temperatura e precipitação, variando em diferentes partes do planeta.
A concentração de águas oceânicas mais quentes na costa do Peru reduz os estoques de peixes e prejudica a pesca. Por ocorrer durante a estação do Advento no hemisfério sul, os pescadores deram, por séculos, ao fenômeno um nome associado ao Menino Jesus. Era um sinal, um direito trabalhista: o El Niño desejava vê-los descansar e passar mais tempo com suas famílias durante o Advento do Senhor.
Em muitas questões climáticas, como o El Niño, as narrativas dos consórcios de mídia e seus “especialistas” transformam eventos absolutamente normais em excepcionais e tentam impor comportamentos e teses anormais à sociedade como se fossem normais.
Caro leitor, não se assuste com narrativas climáticas catastróficas. Nos últimos cem anos, houve 27 episódios de El Niño de intensidades variadas. O fenômeno pode durar um, dois ou até três anos e ocorreu em 54 anos ao longo de um século desde 1923! Contrariamente ao que a mídia apocalíptica e seus mesmos “especialistas” afirmam, não há nada terrível ou excepcional na chegada do El Niño.
Os registros temporais do El Niño abrangem um século e meio, mostrando vários tipos e consequências. Para aqueles com paciência, é possível ler e observar as durações e intensidades: 2018-2019, fraco; 2014-2016, forte; 2009-2010, moderado; 2006-2007, forte; 2004-2005, fraco; 2002-2003, moderado; 1997-1998, forte; 1994-1995, moderado; 1990-1993, forte; 1986-1988, moderado; 1982-1983, forte; 1979-1980, fraco; 1977-1978, fraco; 1976-1977, fraco; 1972-1973, forte; 1968-1970, moderado; 1965-1966, moderado; 1963, fraco; 1957-1959, forte; 1953, fraco; 1951, fraco; 1946-1947, moderado; 1939-1941, forte; 1932, moderado; 1925-1926, forte; 1923, moderado; 1918-1919, forte; 1913-1914, moderado; 1911-1912, forte; 1905-1906, forte; 1902-1903, forte; 1899, forte; 1896-1897, forte; 1888-1889, moderado; e 1877-1878, forte.
Quão intenso será o El Niño e quanto tempo durará entre 2023 e 2024? Ninguém sabe. Houve uma dúzia de eventos de intensidade forte em cem anos. O último ocorreu entre 2014 e 2016. Na Amazônia, o nível da água do rio Negro caiu mais de sete metros, apenas em outubro de 2015. Devido a dificuldades de transporte, as aulas foram suspensas para mais de 3.000 estudantes em 29 escolas de Manaus. A capital suportou a fumaça de mais de 11.000 incêndios florestais na Amazônia por mais de 20 dias. Com a diminuição do fluxo dos principais rios amazônicos, as usinas hidrelétricas pararam turbinas e operaram em níveis de geração muito baixos. Municípios como Paraopeba, por exemplo, tiveram que distribuir água com caminhões-tanque devido à seca em seus reservatórios.
Assim como neste ano, em 2015, uma onda de calor muito mais significativa atingiu o Centro-Oeste, Sudeste, partes do Norte e Nordeste do Brasil entre setembro e outubro. Em mais de 30 cidades onde o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) está presente, estações meteorológicas registraram temperaturas acima de 40°C em 16 de outubro. Palmas, capital de Tocantins, um estado na região central do país, registrou 42,1°C naquele dia. E Manaus teve sua temperatura mais alta em 90 anos: 38,9°C em 21 de setembro de 2015.
Agora, a presença do “menino terrível do clima” agita jornais e editoriais: “El Niño ameaça a inflação e já preocupa o Banco Central”, anuncia o Valor Econômico. Outro item na agenda agitada de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. “El Niño deve se transformar em Super El Niño e intensificar os efeitos climáticos no final do ano”, prevê a CNN. E o catastrofismo não se limita ao Brasil: “El Niño representa a maior ameaça em décadas para espécies vulneráveis nas Galápagos”, adverte a agência AFP. Que travesso!
Para os pessimistas, apesar de todos os investimentos em tecnologia, desta vez, a agricultura não escapará das “brincadeiras” do “El Niño Travieso”. Segundo eles, as safras brasileiras serão das mais afetadas pelo fenômeno climático em todo o mundo, profetizam na mídia.
Um ano de clima chuvoso ou seco, mais quente ou mais frio, sempre favorece algumas safras e prejudica outras. Não há clima ideal para todas as atividades agrícolas simultaneamente. No Nordeste, a irregularidade e a falta de chuva podem trazer prejuízos para as fazendas de cultivo intensivo na região de Matopiba. Para que isso aconteça, o fenômeno deveria ser muito intenso até agora. E isso ainda não ocorreu. Falhas nas safras de milho e feijão na região semiárida trarão dificuldades para pequenos agricultores. As autoridades têm planejamento para tais contingências?
A mesma falta de chuva favorece a irrigação no Vale do São Francisco e na região semiárida. Chuvas excessivas entre 2021 e início de 2022 comprometeram 80% das colheitas de uva e manga no primeiro semestre, com perdas estimadas de R$60 milhões. Enquanto a chuva faz as uvas incharem e estourarem, a irrigação fornece a quantidade certa de água para as videiras se desenvolverem bem e produzirem frutas de qualidade. Portanto, é melhor se não chover.
O El Niño impulsiona as perspectivas para grãos. Seus padrões de chuva e temperatura favorecem a produção de soja e milho no Sul, Sudeste e partes do Centro-Oeste. Especialmente para o milho de segunda safra, produzido no inverno, com umidade aumentada e chuvas mais regulares no Sul e Sudeste. Além disso, algumas pragas, doenças e ervas daninhas prosperarão devido ao aumento da precipitação. Apesar desse cenário implicar despesas adicionais com pesticidas, os produtores têm a tecnologia necessária para lidar com eles. Mais chuva no Sul e Sudeste beneficia o crescimento e a manutenção de pastagens, mesmo no inverno, beneficiando assim a pecuária.
Precipitação intensa pode causar encharcamento, prejudicando a cana-de-açúcar e o café, e dificultando a operação de máquinas agrícolas. A umidade excessiva reduz a concentração de açúcar na cana-de-açúcar, diminui a extração de suco (para etanol e açúcar) e torna a colheita e o transporte para moagem mais difíceis. Apesar de tudo isso, para a safra ser comprometida, o fenômeno precisaria ser altamente intenso ao longo de 2023 e início de 2024 – e isso é improvável.