Folha de São Paulo – ‘Ter microfone poderoso é dar voz ao meu filho autista’, diz Marcos Mion

Foto: Thalles Trouva

Os 13,5 milhões de seguidores de Marcos Mion nas redes sociais acompanham a vida do apresentador como um reality show. Em seu perfil principal no Instagram, a Mionzada aparece em séries como a mais recente que mostra a chegada do quarto cachorro da família, o mini godendoodle Pudim, para desespero real de Suzana Gullo, mãe dos três filhos do casal. O primogênito Romeo completa 16 anos em 23 de junho e virou nome da lei que instituiu a carteira de identificação para autistas.

O garotão da MTV, que completa 42 anos neste domingo, virou paizão de família, comunicador de massa e pioneiro nas redes sociais, vetadas aos filhos. É pai também de Donatella, 12, e Stefano, 11. Na entrevista a seguir, Mion fala sobre a saída da Record e a ida para a Netflix, negacionismo na pandemia e paternidade responsável. É autor de três livros infantis, entre eles “Pai de Menina”, que já vendeu 60 mil exemplares. Produz conteúdo para um perfil sobre universo fitness, o Team Treta (217 mil seguidores); a paixão pelos tênis, o sneakersdomion (178 mil seguidores); e cachorros, doguinhosdomion (57 mil seguidores).

FAMÍLIA DIVERSA

Minha família é atípica, maravilhosa e única. Tenho um filho autista, enfrentamos um câncer de mama da Suzana cinco anos atrás. Nunca escondi as crises como casal e a forma como sempre deixamos o amor nos guiar, ao contrário de pessoas do meio que parecem nunca ter brigado com a mulher. Um casal perfeito nada mais é do que duas pessoas que não desistiram uma da outra. Nunca vendi um pacote cor-de rosa. Pra minha surpresa, quanto mais eu falo das nossas dificuldades, mais as pessoas comentam: “Que família perfeita”. Somos perfeitos dentro de nossas imperfeições. Ninguém mais compra essa história da vida perfeita.

EXPOSIÇÃO NAS REDES

Quanto entrei na Record em 2010, era averso a abrir minha intimidade para revistas. Com a vontade de me tornar um comunicador popular, entendi que não ia mais ter essa divisória entre vida pessoal e profissional. Os próprios diretores da Record falavam: “Você tem uma família incrível, é pai como poucos. Mostra esse outro lado”. Minha imagem era do maluco da MTV. Meus filhos aparecem muito nas minhas redes, mas é controlado, debaixo da minha lupa. São loucos para ter canal no YouTube, conta própria no Instagram, numa época em que 90% dos amigos têm. Rede social é proibido na minha casa. Se os criadores recomendam uma idade mínima e não deixam os próprios filhos entrarem, por que eu vou deixar os meus? Sabemos dos malefícios para mentes em formação. O quanto influências negativas e padrão inatingível de beleza e felicidade podem afetar negativamente a saúde mental de crianças e pré-adolescentes. Num primeiro momento, eles tiveram conta fechada no Instagram. Só pra família. Stefano começou a sofrer do mal de querer postar em vez de viver. Estava fazendo algo legal e pedia meu telefone para postar. Passa a ser fornecedor de imagem do que é a sua vida. Simplesmente, cortei. Expliquei como funcionam os algoritmos, que é perigoso.

PAI PRESENTE

Ser bom pai não é ganhar o troféu de pai amigão, o mais legal do ano. Não tenho problema em dizer não e pôr limite como educador. Sofro por estar na metade para o fim do período em que a necessidade da minha presença é 100%. O desmame está sendo uma treta. Converso com minha mãe semanalmente. Ela é presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise.

PRODUTOR DE CONTEÚDO

As redes sociais deram para cada um de nós a capacidade e a responsabilidade de ser dono do próprio conteúdo. Investi numa equipe que me desse independência criativa. Sete pessoas trabalham exclusivamente no conteúdo das minhas redes. Brinco que é a Mionzeira Entertainment Company. Aí entra minha experiência em televisão. De agradar o diretor, o comercial, dar audiência. Diferente de um nativo das redes sociais que cria conteúdo dentro do quarto e não passa por nenhum crivo. Coloca no ar, a bolha festeja, mas não tem feedback verdadeiro. Tem responsabilidade social? Vai influenciar positivamente?

CAUSAS

Falar sobre paternidade é orgânico. Começou quando fiz um post de um passeio com a Donatella. Na minha cabeça, eu tinha de implementar no DNA dela o que era ser bem tratada, amada e respeitada. Para quando crescer não aceitar nada além disso com quem vá se relacionar. Deu uma repercussão tão grande que entendi que paternidade estava em baixa. Os homens sentem muita dificuldade de se assumirem pais de meninas e pais em geral. Uma causa tem que ser de verdade para quem veste a camisa.

UM PROPÓSITO

Autismo não é só causa. É propósito ter um microfone poderoso para ser a voz do meu filho e dos mais de 2 milhões de autistas no país. Duas pessoas importantes nessa caminhada são a Fátima de Kwant e a Berenice Piana [que dá nome à lei de 2012 que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa do Espectro Autista]. Em seis meses, conseguimos implementar a lei que inclui a contagem de dados sobre autistas no Censo e a que criou uma carteira de identificação. A Lei Romeo Mion foi sancionada em janeiro de 2020 e tenho que dar o crédito para Michelle Bolsonaro. A primeira-dama acionou a deputada Carmen Zanotto [Cidadania-SC] e o senador Carlos Heinze [PP-RS]. Vários partidos participaram do esforço de aprovação. Uma das grandes dificuldades do autista é provar que é autista, por não ser uma deficiência física, visual, como a síndrome de Down. Qualquer pai de autista hoje pode dar uma carteirada pra conseguir prioridade nos serviços de saúde, previdência, educação.

PRIVILÉGIOS

Não tenho como ficar passivo, quando entendo o tamanho do meu privilégio, do tratamento que posso dar ao meu filho. Vejo diariamente que essa não é a realidade da esmagadora maioria de brasileiros. São centenas de mensagens no Instagram por hora e arrisco dizer que 70% são relacionadas ao autismo. Obviamente, não tenho como ajudar 100% dessas pessoas. Daí surgiu a Comunidade Pró-Autismo, sacada que tive numa reunião com Facebook como forma de ajudar muita gente. São cinco moderadores que trabalham 24 horas. A própria comunidade começou a se ajudar. Pais que acabam de receber o diagnóstico vão direto lá buscar informação, ajuda, conforto.

EVOLUÇÃO DO FILHO

Fomos para os Estados Unidos pela primeira vez quando Romeo tinha 3 anos. Voltamos todos os anos em busca de terapias e testes que não existem no Brasil. Nessa temporada, estávamos ansiosíssimos para fazer um teste com um aparelho que lê a atividade cerebral 24 horas. Romeo toma remédio desde pequenininho, nunca se sabe que hora vai poder parar, com medo de que a epilepsia volte. Um terror para todo pai e mãe de autista. Não existe tratamento que seja mais efetivo do que amor, paciência e dedicação. Não adianta ter os melhores profissionais e delegar seu filho a eles. É a presença constante dos pais que vai fazê-lo evoluir. São crianças que demandam atenção 24 horas, enquanto você tem de trabalhar, ser pai dos outros filhos.

CONVÍVIO SOCIAL

A evolução é traiçoeira. Vi meu filho perder ganhos em períodos de férias. Uma conquista é o convívio social. Romeo é o relações públicas da família. É o mais educado. Toda vez que estou numa reunião, ele entra pra dar oi. É o Zé da live, um doce. No começo, ele tinha crises em lugares com muito gente, barulho e luz. Hoje, conta os dias para passar o aniversário na Disney. Na adolescência, está lutando para existir independentemente de mim e da Suzana. É uma vitória gigantesca um autista do nível do Romeo ter conhecimento de si mesmo.

VIDA ESCOLAR

Nós já passamos por todos os tipos de educação. Escola regular, especial e homeschooling. Fiquei em pânico na pandemia. Tiramos ele de uma escola especial. É difícil para o autista colocar a máscara, tirar a mão da boca. Não tem o cognitivo para fazer a higiene constantemente. Optamos por homeschooling, com um terapeuta. Graças a Deus, ele está evoluindo muito na escrita e na leitura. O foco dele vai embora no ambiente escolar.

VACINA

A gente tomou a vacina nos Estados Unidos, mas longe de estar feliz. Com uma vontade enorme de ver os meus amigos vacinados no Brasil. O que mais me indigna é o negacionismo. E me incomoda demais o poder que a pandemia trouxe para as bolhas de preconceito, racismo, intolerância. Pessoas que se sentem respaldadas e protegidas com o mau uso das redes sociais. É uma involução. É flertar com épocas de trevas da nossa existência.

POSICIONAMENTO

Temos que buscar os valores que nos tornam humanos. O que nos trouxe até aqui foi a capacidade de pensar e agir em grupo. Estamos falando de 500 mil mortos [por Covid-19]. Pode ter certeza absoluta de que as coisas não estão certas. Mostro constantemente minha indignação. Mas as pessoas que têm um microfone não são obrigadas a falar só porque estão sendo cobradas. Vira a famosa lacração.

SAÍDA DA RECORD

Em 2009, botei na cabeça que precisava me lançar no grande desafio de ser um comunicador de televisão aberta para a massa. Foram12 anos que me deram a oportunidade de conquistar o meu lugar no coração do povo brasileiro. Com sucessos enormes como Legendários e A Fazenda, primeiro lugar absoluto na temporada inteira. Quando você entende que tudo é cíclico, o fim fica mais aceitável. E que bom que foi no auge. No maior sucesso da década.

FUTURO PROFISSIONAL

A ida para a Netflix é reconexão com minhas raízes. Explodi a zona de conforto. Ir para uma plataforma de streaming com liberdade e possibilidades de criação tão extensas, é a mesma sensação de entrar na MTV em 2000. Por causa da pandemia, as coisas estão andando mais devagar do que gostaríamos. Os projetos estão alinhados, mas não posso adiantar. Enquanto minha agenda profissional está estacionada, fico em Miami estendendo o tratamento do Romeo. Com o pisca-alerta ligado e pronto para acelerar.​

RAIO X

Formado em comunicação pela PUC-SP, o ator, empreendedor e apresentador Marcos Mion, 41, deixou a Record após o sucesso à frente do reality show A Fazenda e fechou parceira com a Netflix; é ativista pelos direitos dos autistas e produtor de conteúdo para redes sociais.

Fonte: Folha de São Paulo – Eliana Trindade

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